segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O tempo necessário, ou que saudades do chá preto à sombra da mafurreira

O tempo necessário para algum acontecimento é sempre muito pessoal. A vivência interior de alguns momentos rapidamente desaparece, enquanto noutras situações, o tempo vivido é muito para além do acontecimento em si. Devíamos contar a nossa vida pelo que realmente, em verdade, demoramos a vivê-la, e não em termos de calendário mensal.
Esta inadaptação ao tempo proposto pela natureza tem-me feito pensar. Movemo-nos muito, mas a cabeça nem sempre está por onde o resto do corpo anda. O coração então, ainda menos. Mas se cada um de nós é um ser indivisível, e coração, pensamento e substância andam sempre juntos, como é que é possível esta fragmentação?

A culpa é do avião.

É muito bom atravessar África lá por cima, e chegar a Maputo em pouco mais de 15 horas. É muito bom atravessar todo o Médio Oriente, saber-me a sobrevoar todas aquelas terras míticas que ligam a península arábica à Índia. O mar vermelho, as cidades marcadas a compasso nas grandes avenidas iluminadas após o por do sol. É mesmo muito bom.
Mas é causador dessa grande perturbação que é o jet lag.
Pior! Mind lag. Vocábulo que utilizo, espero eu, numa estreia mundial. Ou seja, as pernas já chegaram, os souvenirs handicraft já forma entregues, as fotografias já andam há um mês no computador e não há meio de se organizarem sozinhas. Mas...
O desejo, o último pensamento antes de adormecer, a expectativa ao acordar, não estão aqui. Quer dizer, estão, numa espécie de escala entre viagens, um pouco mais demoradas que o habitual, é certo.
Estou em escala.
Essa é uma verdade sentida com profunda alegria. Inquietação também, alguns suspiros melosos, umas noites de insónias. Mas se noites mal dormidas fazem parte da vida de um viajante, imagine-se uma escala de semanas, meses...
percebo que cada momento da vida nos pede aquilo que conseguimos ser, para que o sejamos em profundidade. Sei. Por isso, quando olho pela janela e me apetece contemplar o Índico, ou os cajueiros das minhas manhãs e fins de tarde ao vento, quando sinto que aquele suspiro melancólico vem quase aí, páro. e sorrio. Porque tudo não passa de uma longa escala.

Passageiro em trânsito, é o que devia estar no bilhete de identidade, que por acaso tenho de renovar. Só não sei qual morada colocar. A oficial ou as verdadeiras?